O tempo está tão perdido quanto o meu batimento cardíaco a ecoar no vazio das costelas, não resto eu suficiente para preencher o corpo que habito. Perdura o contorno dos teus lábios no interior das lembranças sinuosas que deixaste. Pergunto ao silêncio como derramar a tua ausência para fora da pele, responde-me na cadência lenta da dor cada letra do teu nome. Pudessem as lágrimas ser oferendas, talvez matasse por fim a sede à Deusa dos masoquistas. Quantas vezes renasceste, para limpar das mãos etéreas as manchas das flores que sangrei esmagadas contra o peito da Medusa que enfrentei? Cravas a própria faca, empunhas o espelho, e no final és coroada magnânima estátua do sacrifício mais belo. Quiçá tivesses ficado, fosse recíproca a ruptura, quiçá se também reflectisse e te petrificasse projectada em amargura. Não soube ser mais que amor, só que nem sempre em beleza pode alastrar a raiz. Há que deixar que a flor siga a seiva que a reverbera. E do meu tórax em ruínas hei-de erguer a Primavera. . . . #textposts#textos#textosemportuguês#instawrite#instawriters#escritoresdeinstagram#linguaportuguesa#textpost#writingcommunity#writersnetwork#writer#autoresportugueses#texto#frase#frases#quote#quotestagram#inesmartoofficial#inesmarto_writes#inesmarto
Perséfone de tão ambígua eu me confesso, na transparência das águas onde me refiz matéria.
Reconstruo-me novo nada, se nada fui ou serei.
Gota. Mera. Existência. Onda. Magnética. Astral. Ínfima na superlativa semente geométrica que se designa sapiência perpétua.
Feita dos meus próprios falsos passos e fracassos, entre os dedos junto os cacos com que adorno o mero corpo, invólucro de perceptivar instantes.
Dou-lhes até de bandeja dourada as farpas com que me hão-de cobrir a estrada. Eu que não temo o sangue nem o negro. Eu que abro as próprias feridas com mãos ambas e as disseco, e lhes deito sal, e lhes cuspo, e as mordo e saboreio, derradeira desconstrução, ascendo no rastejar.
É o lodo até à boca que me torna a coroar, sobrevivente da minha própria existência. Sem fôlego ainda, grito-o em espasmo de escrita aos sete lírios do além. E abro as palmas das mãos, no fim do fio da navalha, como quem, ainda que derrubada, torna instalação e arte a sua própria batalha.
Forro-lhes a talha dourada, sem subterfúgio ou lamento, a espada que me hão-de erguer à cabeça, ciente, cúmulo transparente, terra e semente, disforme, borboleta divergente, num púlpito de existência.
Afio-lhes com os meus próprios dentes a faca com que me querem purgar dos defeitos que eles acham que são defeitos. Inerte, desfio o rol de fraquezas, mostro a carne até ao avesso das minhas feridas. Até lhes marco os alvos onde hão-de cravar a superficial ira da pequenez.
Sou-lhes banquete e alimento, de mão beijada, bandeja dada, no altar assumido das fraquezas com que enlaço a minha coroa de flores e morte. Esperançosa. Aguardo que a covardia do ataque faça uso meu mais pútrido e deplorável, já assinalado a giz.
E no final, sou gargalhada. Nem mesmo inerte, nem dissecada, nem mesmo de bandeja dada, carne aberta à destruição guiada. Nem com convite selado me sabem tirar a estrada.
Caio, objecto, repugnante, inanimada, deixo que se deliciem com a aparente conquista. E Perséfone confessada, sou curva na estrada, sigo rumo ao horizonte que a pequenez não avista.
Eu floresço. Não habito o sótão onde mora a tua essência. Pudesse eu resumir-me a ávida coleccionadora de nuvens e estrelas no interminável ciclorama do tempo. Ou apenas gota de chuva debruçada ao precipício de onde sonhas. Quiçá ainda pudesse ser cinza que abandona a incandescência na morte lenta contra o muro que me mantém distante. Mas não. Prenúncio dos Deuses, havia de nascer de coração kamikaze. Não, não me resumo. Não, não me limito. Não, não desenho fronteiras de onde começo e acabas. Sim, agarro pelas minhas mãos para ti. Sim, sucumbo às tuas feridas. Sim, por detrás da barragem fechada a sete chaves dos olhos, dissolvo o eu e o tu. Sim, ser-te-ia refúgio sem nunca olhar os ponteiros. Mas não habito o sótão onde mora a tua essência. Eu floresço. Eu grito de mim aos céus. Dissolução, espada erguida na suplantaçāo, permeável ânsia de encaixe, simbiótica transcendência. Passo a passo. Sem tempo, sem espaço. Pudesse resumir-me à esperança que enlaço. Mão na mão, transparente. Vulcão de sonhos de gente. Eu sou esse pássaro holograma de sonhar, dentro da minha porta só fica quem nasceu para voar. Não habito o sótão onde mora a tua essência. Talvez seja barco onde navegues esvaindo o cansaço das noites. Talvez que o ser casa e colo e luta te seja doce. Mas não habito o sótão onde mora a tua essência. A tua vida é lá fora. Serei apenas estrela cadente. O ébrio regresso aos lírios do sonho, à distância de um suspiro. Renasço. Talvez te seja refrescante. Mas a tua vida é lá fora, onde os lírios secam e caem ao chão. Desvio. Afasto. Defendo. Talvez pudesse enjaular o coração, talvez pudesse amar a conta gotas. Talvez purgasse a dor do solitário renascer para ser só estrela cadente. Talvez pudesse, mas coração kamikaze só sabe dar saltos de fé, pensando toda a vez que talvez seja desta que a mão na mão permanece. Então, latência. Então, anestesiado olhar pelo vidro. Então, um pé aqui, insana utopia, o outro no solitário renascimento pronto a seguir caminho. Um limbo. A dor do desapego. Uma iconcreta estância de porta destrancada. Dir-te-ia ainda assim que o meu poema mais bonito é o abraço que espero sempre por te dar. Mas a tua vida é lá fora. Não habito o sótão onde mora a tua essência. Resta estender no limbo o tapete, dormirei no chão da tua rua, quieta, quiçá acordes e queiras permanecer. Se não, bordarei na minha partida sonhos a desaguar à tua porta, fio de Ariadne das minhas utopias. E lá longe onde continuo o meu caminho a passos sós, quiçá um dia nos voltemos a encontrar.
Caiu a noite sobre o meu alento. Renunciei ao cíclico ondular das costelas. E no peito calei o trémulo compasso de um coração que insiste em viver. O corpo é nada. Trespassei-me. No fechar dos olhos um abrigo. No silêncio antes do toque, um abismo deixado à palma da tua mão. A porta está aberta e já lhe sabes o caminho. Habitas os casulos imaginários de quem se entrega à minha cama. Tenho-te, pintura indefinida de mulher, como ópio último do meu naufrágio. Respiras no meu pescoço, deitada a cabeça no meu peito, eu jangada dos sonhos que sobrevive ao dilúvio de estar só. Eu fantasia por salvação. Eu poesia por dimensão. Eu surrealista mental de corpos nus por consumação. Eu imaginário de batom por solidão. Soletras o meu nome, a tua língua na minha pele, uma espada contra o fogo da madrugada. Não quero que amanheça. Esta é a hora. Somos o agora. Existes no limiar do tempo em que me abandono. O teu cansaço condena-me à sentença de um abraço em queda livre. Não quero que amanheça. Vejo-te adormecer sobre a manta dos meus medos calcinados. Hoje chamo-me insónia. Sou-te casa sólida. Isso basta. Descansa. Olhar-te-ei até que saiba de cor o teu silêncio. Talvez adormeça. Talvez na alvorada a jangada chegue ao cais. Talvez ame o nada que és apenas. E talvez isso seja melhor do que conseguir dormir.
Hoje não quero ser nada. Nem tempo nem medida. Nem sentido nem futuro. Nem memória nem expansão. Não quero sequer o risco do peso das palavras no segregar do pensamento. Nem sonhos nem morte. Nem mudança nem bagagem. Não quero sequer a água que me afogue nem o flutuar noctívago da poesia. Hoje não quero nem pele nem roupa. Nem versos nem flores. Hoje não quero ser nada. Deixem-me ao nenhures de mim, desaventurada. Que toda a minha voz e calcária definição sucumbam. Que me apague a terra as arestas do contorno das certezas. Não quero nem sequer o gesto nem sequer o fôlego. Nem sequer a sensação. Que se apague o fio da existência. Que se derrube a imposição da coerência. Que se desfaça a construção de toda a essência. Hoje que reste apenas silêncio e ausência. E que sem pedir desculpa erga a mim todos os vícios, chore sem fundo todas as dores, me desencaminhe, me inunde na minha própria usurpação profana. Hoje que não viva. Não corresponda. Não peça licença. Hoje não quero ser nada. Livres são os que não obedecem, não justificam, não se encaixam, não esperam pela madrugada. Hoje não quero ser nada. Faz eco no meu abandono. Não esperem à minha porta. Hoje não quero ser nada. Não quero a filosofia de um desfecho. Passo do chão, da matéria, passo de mim para fora. Não me deixem cartas de saudade. Enquanto baloiçar no romper de mim, chegarei além. O meu grito hoje é silêncio. Hoje não quero ser nada.
Submerjo no amanhecer azul onde não me resta a memória do sabor que tem a pele sempre que quero desprender-me de mim. Não sei porque terá sido sempre um mar o espelho dos meus estados-espírito, não sei porque é sempre nas falésias que me desencontro.
Nem que paisagem é esta onde a minha voz soa mais rouca, onde as ondas rasgam sinfonias no vidro das janelas e a madeira branca se descasca na salinidade, da minha pele, que não sei de onde vem e que me habita os versos.
Talvez outra parte de mim seja barco, peixe, gaivota. Talvez seja marinheiro. Talvez seja poeta, livre de pegar nos próprios passos e deixar-se deambular até onde as ondas beijam a costa, desses que ficam com estrelas por tecto a escrever noite fora.
Tenho os olhos semicerrados contra o vento. Ainda assim permaneço sentado. Não deixei rasto no areal, não sei de que se me fazem os passos. Cravo a mão na areia húmida, faço cair um punhado a conta-gotas. Orquídeas brancas tomam-me o rumo dos pensamentos. Talvez não seja nada senão ímpeto, na verdade. Ora passos perdidos, ora o secular mistério das flores, ora o silêncio de um oceano que me habita.
A noite passa, o requebrar dos búzios ecoa-me dentro do peito, talvez a prancha onde me salvo do abismo seja essa: um abrir de braços e a queda na superfície das ondas, o peito à lua, um flutuante grito de nada, deixado à deriva do mar que sou.
Sou… Tudo aquilo que sobeja à tentativa de expressão. Sou manifesto erguido em corpo, não me definam então! Pois nem eu sei das ruas por onde passo, que pedras trago comigo, onde desenho caminho, por onde ficam espalhados os nexos de tudo o que digo.Não. Não sou sóbria, nem tão pouco esse expectável romance feito poeta de café, não. Coerência descasco-a como peste adormecida, sou um pouco de Elis, um pouco de Frida. Não me prostituirei em textos de encaixe às massas ocas, da minha arte resta chama. E das minhas derrotas teço colchas, faço cama.Não me definam então! Sou o ponto vértice do que me impele o devir do dia. Um pouco Al Berto, um céu aberto inundado em maresia. Eu sou o nada, insolúvel transparência, deitada em lençóis de sangue, à mera sobrevivência. E o assumir dos passos mortos em queda certeira, e na rima que desfaço, dia-a-dia desenlaço os olhares de um mundo baço, que num trono vê cadeira, que nas asas vê prisão, que nas rodas vê caixão, luto de um coração vivo. Eu sou o sal na boca, a recusa de um cativo.Mais a barba que não tenho e o batom que não ponho, sou a bandeira do múltiplo pássaro livre do sonho, não me definam então! Nem me peçam mais que escreva a expectável biografia de discurso inspirador. Sou lado negro na pele, sou o relento da dor.Sobrevivi ao naufrágio de quem teme a solidão, eu sou o florir da força na cara da negação. E não temo mais o escuro, lambo desgostos, perduro, persisto, vagueio, perco o rumo, não existo. Renasço em abstraccionismos, dentro de mim tenho sismos, armários de imensidão. Não me cabe o ser ao mundo, eu não tenho dimensão! Não… Não me definam, então!
Tinha jurado que não voltava a escrever. Eram cinco da manhã, vesti o casaco comprido velho por cima do corpo, calcei as botas e saí, toldada pelas lágrimas. Calcorreei a avenida sem distinguir o chão, não via mundo à volta. Nem sabia se existia.Atravessei a cidade, ou assim me pareceu. Sentia-me transparente. Carros de outras vidas seguiam o seu rumo. Eu chorava. Abençoada solidão. Se estava frio não o sentia. Talvez a tua morte me tivesse tornado subitamente imune a essas infimidades de quem está vivo. Talvez tivesse morrido contigo também. Talvez afinal te tivesse agarrado com tanta força que consegui ir, como te dizia em tom de brincadeira, afirmando nos meus risos de criança que não me havias de deixar sozinha. Se calhar deixei cá o corpo só. Nessa noite pelo menos, sentia o triunfo de ter partido contigo.Sem saber como, cheguei ao cais. Deixei-me cair sobre o chão que não tinha. Fechei os braços sobre o corpo e deixei-me ser. Olhei para cima, como desde então olho sempre para te encontrar. E quando te vi acreditei. Talvez tivesses levado um pedaço de mim contigo, sim. Mas deixaste a raiz. Não me havias de deixar sozinha, tinha razão, habitaste-me então como nunca.Tinha jurado que não voltava a escrever. Mas trespassaste nas minhas mãos a sabedoria da terra. E a irrecusável missão de semear o que deixaste em mim do teu coração xamânico, que empresto às palavras a cada dia mais. Quando te vejo e te sinto e me permito à tua viagem, acredito. A cura do mundo pelo amor vale a travessia de ficar.
“Um coração pronto a pulsar na nossa mão”. Fomos O’Neill feito sal nas veias. Sulcámos as nossas pegadas na densidade do frágil. Consumámos a impotência, a verdade escura, contida e amarrotada. A que não pulula, a que não se diverte nem se convence. Traçámos os contornos à floresta dos medos. A boca sobre os dedos. Os olhos sobre as asas. O espírito consumado ao peito.Almejámos o longe. E na consonância das respirações encontrámos um salão de baile onde se dança por instinto; de um quase-toque sem tocar, de um quase-verso sem falar, de um todo-abrigo à mera existência.Nos passos firmes pousámos incertezas. E sobre os copos das ânsias enfeitámos um abraço. Sussurrámos as lâminas ácidas nos silêncios que pesavam à bagagem. Depois abandonámos as malas. Despimos a pele, hora após hora, trago após trago. Engendrámos novos passos, de sombra em sombra.Desenhámos de cor a expressão, como quem se sabe de outra vida. E fomos ferro e fogo e céu. E fomos útero e queda e túmulo. Do intangível tecemos redes onde despojar o corpo. E de sempre em sempre quebrámos horizontes a pulso. Os braços sobre o tronco. O flutuar sobre as tábuas.Um labirinto venoso disposto ao toque. Um abrir dos braços feito mundo. Um luar de raízes enleadas feito dança. O permanecer solar de uma essência feita chamas, que se adensa no entrelaçar de duas mãos abertas, fluidas, crescentes, que se libertam no espelho visceral.