Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

INÊS MARTO

INÊS MARTO

LIVROS À VENDA:

Flor de esperança

Quantas canções se gastaram na tua lembrança,

No granito imune ao tempo destemida flor de esperança,

Há uma lágrima de prata a segredar o teu nome

Nesse palácio de espelhos que a madrugada consome

 

Quantas vezes apagaste o meu nome rarefeito

Entre a espada e a parede somos um sonho desfeito

Um equilíbrio fatal entre a queda arriscada

E o doce precipício que atravessa a madrugada

 

Eras a jangada audaz do grito sobrevivente

Mas a verdade desfaz a ilusão consciente

Toda farsa tem um fim, toda a lírica esmorece

Quebro o espelho carmesim onde o narciso floresce

 

Não há versos que nos salvem desta cortante evidência

Resto em rasgos das memórias onde impões a minha ausência

E se a seiva já se cansa de brotar em poesia

Não há flor que sempre alcance essa letal maresia

 

Se a despedida me mata mais do que a morte aguardada

Mais morria se guardasse a pérola envenenada

Que me sobra do teu beijo que hoje expulso em tempestade

Lâmina em cruz sobre o peito que faz jus à liberdade.

 

#inesmarto #poetry #poesia #poema #poem #poeta #poetasdeinstagram #poetsofig #poetsofinstagram #portuguesepoetry #poesiaportuguesa #poetasportugueses #poemasemportugues #letra #lyrics #lyricist #letrista #instapoem #instapoet #textpost #texto #escritoresportugueses #linguaportuguesa

A luminescência das águas

A luminescencia.png

"A luminescência das águas não afasta a saudade da transversal falésia.
Quiçá me tenha traído a avidez em pernoitar nos umbrais desse naufrágio,
Mas poderei julgar-me culpada, se em verdade só quis padecer de amor?
Peguei pela mão o reflexo, prenúncio de romãs entre os escombros
E o superlativo fôlego revelou-se em negativos celofanes,
Difusos os contornos dos corpos na travessia insubmissa da consumação
E o sabor das bocas e dos astros e das esperanças diluídas num só gesto,
Essa eternidade que se resumia num ardente pavio a dispensar o amanhã.
Mas nem só dessa translúcida sede vivem os poetas e os loucos.
Não me resta sal nas lágrimas para a madrugada impoluta que se acendeu
E em cada grito sangra um lírio erguido à indelével renascença
Disseco o peito, inequívoco relento da torácica consciência
E sei-me florescente pérola de poética suficiência."

Inês Marto . 27/02/2023

Não há fôlego que nos salve

Citação Frase Papel Kraft Instagram Post.png

 

Hoje escrevo para ti,

como não fazia há

tanto

tempo

na impossibilidade de afogar em nova esperança

o que podia ser feito de nós

Digo-te que senti

Que sinto

Sinto tanto a tua falta,

Fundem-se as tuas lágrimas nas minhas e

não há fô-

lego

que nos salve

do que de ti me ficou impresso no corpo

Não há pontos

finais

as palavras não fazem

sentido algum

ou talvez sim

talvez o sentido seja

o sonho

que é como dizer, talvez o sentido sejas

tu

ou o que de ti eu resto

Alquimia de tinta

reencontro

nesses laivos de poema

onde te abraço

sem tempo

Vem, fica, hoje não quero acordar…

Fora eu raiz

IMG_20181220_205748.jpg

 

 

Fora eu raiz

Para o que tenho de pássaros.

Fora eu carne e cicatriz

Para o que de mim são versos.

Terra que me albergue os lírios submersos.

Animal, instinto.

Solo, chão, primal, consciência.

Não-controlo, não-teorema, não-coerência.

Fora eu o contra-senso e a ousadia da ausência.

Buscar a minha fundura, revelação de horizonte.

Salto a fogueira e o abismo. Inspiro fundo.

Mergulho. Desfio-me o próprio mundo.

Sobrevivente coroada no tribunal do além.

Desenquadrada, ilimitada, amanhã serei liberta de tudo o que me contém.

Lamberei das minhas feridas

O sal que alada me ergueu

Eternamente aprendiz desse xadrez que sou eu.

Na ausência de mim

Na ausência de mim

Afloro ecos de vazio,

Corro como um rio,

Desenho as minhas desventuras,

Percorro os meus cansaços.

 

No embalo dos fantasmas

Sou erupção latente,

Sou mais água do que gente.

 

E no caudal que deixo

Que me recordem os olhos de mistério,

Pois se a morte nada pode

Hei-de ter no fim etéreo a minha libertação

De ter nascido para a vida derradeiro teorema de intangível solução.

 

No escuro sou essa sede

De encontrar o meu lugar,

Mas se a vida não me abraça

Resta-me sulcar caminhos apenas no navegar

E despontar num sorriso, mesmo em raiz de amargura

Pois neste rio indeciso

Sustém-me a minha loucura.

Dear myself: a letter of apology

Dear myself, I owe you…

I shattered the bottle on the wooden floor

My sloppy fingers couldn’t hold it anymore

Numbed away in a wine riptide

As I sit, as I fade, as I subside…

 

Dear myself, no tears are left in this slow motion…

Lost lucidity, washed emotion

My mouth has made a pact: liquid sedation,

Drowning myself, remain unfelt as a salvation

 

Dear myself, before I collapse,

I whispered all I couldn’t say into the glass

Dear myself, here’s my confession

Flooding the room, this spilled expression:

 

Dear myself, I owe you love

And a full gaze into my own abyss

And a kiss for every bullet, hit and miss

Of trying to finish you with no pitty,

Dear myself, I owe you dignity

And not just a mere plastic bag reputation,

A dysfunctional cage, lifetime incarceration.

 

Dear myself, I owe you time, I owe you space

For every dawn I stayed awake, wishing to self-erase

Dear myself, I owe you sorry, again and again

For my own hands against my throat wishing to die

For the self-hate, the self-harm, self-sabotage, self-muted-cry

 

Dear myself, I owe you understanding

I pushed you down, but you kept standing,

For all the scars I never saw as warrior spears

For all the flaws I kept hiding, unlived years

For all the times I never let myself shine through

Decades squeezing into forced normality world view

 

Dear myself, I owe you freedom and dreams came true

Dear myself I owe you gratitude, empowerment, I owe you,

Dear myself, an embracing lap to rest your head from my own violence,

And breaking free from my own ghosts, new world to breathe, new existence

A cosmic dance to fall in love like it should have been

A true restart, dear myself, reborn within.

Contrasting wolves

My body is a room full of ghosts
Its walls made of frail bones, cracked stones
Broken light rays hazing through the holes, made-up windows
Violet and green hues collide, neon existances side-by-side
Contrasting wolves fight for expression
In a crystal chamber of ressurection
Ever-changing shadows, they fill my soul
Daunting growls of fear echoe through my skull
My heart's an ever expanding bomb ready to collapse
Counting my final days by a stop-motion time-lapse
As I sit still hallucinating by the sea
The wolves, they fuse themselves psychadelically
In the dark room of dispair, their sillouettes embrace
Ether floods the air, body seizes, there's no place
Nowhere, no clocks, seizure of shattered bones and rocks
The void of materiality bursts finally
Violet and green they set me free

Circo de pedra

Há dentro de mim ruínas invisíveis. Ossos do ofício de me desmoronar como um trago para essa sede maior. Coliseus devolutos do circo de feras de pedra que me dançam na cabeça.
Saltas o muro. Não te afligem os destroços. Caminhas no meu abandono como palma da tua mão. Apanhas do chão as pedras caídas do meu trilho. As que se fizeram cicatrizes insolúveis.
Olhas-te ao espelho partido que sobreviveu à erosão. Toca-lo. Revês-te. Fundes-te. Mostras-me as estátuas do teu circo. Ambas cobertas do pó e do musgo de que se faz a solidão.
Na tua alquimia de ser humana, fazes das minhas pedras perdidas bolas de sabão entre os teus dedos. Agarras-me. Envolves-me. Sem dizeres mais, jogamos de caras no mesmo tabuleiro de contrastes.
Ensinas-me o xadrez de estar viva. Descobres-me o mundo por dentro dos olhos, descobres-me a vida por dentro da pele, descobres-me o perfume por dentro da alma.
Passeias na minha distopia como uma primavera sem relógios. Vais-me tacteando as peças.
A tua distopia é uma praia rochosa. A minha um antro de anseios caído aos céus. Sento-me escondida entre as tuas rochas. Observo-te o mar. Absorvo-te. Aprendo-te. Temos a pedra em comum.
Ao sabor do nosso vento, há um jardim junto ao mar onde se plantam as estátuas da nossa fraqueza. Erguer um trono ao vulnerável, torná-lo fogo a céu aberto: esse é o nosso acto de amor.
No nosso circo de pedra, só esperamos uma coisa: verdade. Já tenho onde cair viva.

Debruada a pérolas

Visitas-me o vácuo remanescente da condensação involuntária que se fez em mim.
Pisas com passos cautelosos de silêncio o chão de mim, feito de restos de tempestade. E no sentir-te chegar sobre a madeira do meu quarto desamparado fazes suscitar mais vida e mais tamanho.
Fazes-te música ao ouvido das minhas ânsias. Agigantas-te em mim, como uma onda tatuada na clavícula trave-mestra da minha solidão. Puxas de mim fios que entrelaças nos teus. Dos meus olhos sobram lágrimas escondidas para que nunca mais acabes.
Dou-te a pele inexplorada, a que só tocaram os meus desgostos.
E, na tua trascendência, fazes do meu limiar a janela destrancada por onde me vês como gostava de ser. A voz de terra que se incendeia forma em mim balões dissolúveis, convidas-me a  percorrer-me sem latitudes.
Observo-te, escudada entre o corpo e o precipício que o separa de quem sou. Do teu porte gostava de saber fazer desenhos, como os pinto mentalmente. Bebo taças da tua visceralidade debruada a pérolas, escondida nos cantos mal iluminados de mim.
Toco-te. Faz-se mundo. Tento respirar. Deixo que me invadas. Preenches a queda entre o nevoeiro onde me habito e a verdade.
Desamarro as cordas. Há consonância na voltagem dos nossos tempos-sonhos. Deixo que me inunde a tempestade que  trazes contigo.
Descubro novas paredes à minha casa devoluta. Encostas-te a elas, deixas-te sentar no chão. Acompanho-te. Traço-te e acaricio-te as raízes, no longe de onde venho. No fim do mar abraçam-se. No fim do mar somos mais.

Deserto verde

Amanhecer e um deserto verde. Luminosidade expansiva perpétua flui pelo tecto do nada. Árvores retorcidas ásperas espalhadas à toa. O ensurdecer do pensamento. Prédios de néon transbordam o desvanecer da noite. Viagens incessantes. Estradas fora. Rumos sem fim perante os olhos que se deixam ultrapassar parados. Gente desenfreada e um deserto verde.
Ao fundo, o vulto branco de arder gaseificado luminoso torna-se silhueta de um rapazinho sem nome. Lá nas colinas do deserto verde, do outro lado da estrada. Talvez o rapazinho sem nome que gostava de ter sido. Da árvore mais pequena e menos longe dos olhos faz sem pudores um varão.
Do corpo etéreo fundem-se a roupa e o nu, a superfície e o núcleo: é feito do cíclico aflorar de essências e pulsões, do resto quase nada importa. Passa a ponta dos dedos e o sexo pela aspereza do tronco, olha-me destemido. Passa a língua lenta pelos lábios, sem que se lhe note rasto.
Sem desviar os olhos, toca todas as árvores pelo caminho, varões da infindável noite de que faz coroa de existir, e que faz espelhar aos poucos - talvez nenhuns - que o conseguem ver.
Salta o muro com as pernas sedutoras. O vulto luminoso - rapazinho branco - define-se aos poucos. O contínuo aflorar define-se em forma-corpo, múltiplo. Atravessa a estrada sem olhar, imune às prisões mundanas.
Caminha como quem continua a dançar. Ao fundo permanece o deserto verde. Estende-me a mão como quem seria capaz de me tocar - definem-se os dedos, funde-se comigo por segundos - Abraça-me as costas - definem-se os braços, aquece-me como se fosse verdade - permanece sem cara, permanece sem imposições, permanece caleidoscópio do que quer que queira ser. Rapazinho branco permanece livre, metafísico, meta-sexo. Encosta a cara no meu ombro, sinto-lhe a barba - que naquele momento lhe apetece ter - segreda-me ao ouvido: Bernardo. E esvai-se. Sobra amanhecer e o deserto verde onde habita, mas só quando lhe apetece.