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INÊS MARTO

INÊS MARTO

Os processos emocionais no contexto performático

 

A dissecação dos ciclosemocionais de raiva, ansiedade e subsequente aceitação pessoal, a partir de Giovanni Frazzetto, aplicada à construção da performance (Unbreak)able.

 
(Unbreak)able - draft
A performance (Unbreak)able teve como mote e como ímpeto criativo desde sempre abase cíclica e circular em que me afundo e afloro. Em que convirjo comigo,colido comigo, mergulho em mim e depois me elevo.
Esses círculos, esses ciclos, sãotanto a base da minha autoconsciência como, por consequência directa, da minhaarte que é objecto disso mesmo. E reflexo disso mesmo.
No caso específico da performanceescolhida como termo de análise dos processos emocionais subjacentes à criação– (Unbreak)able – as causas dessesmesmos ciclos e aquilo que em mim os aviva foram desde logo questões que tiveque explorar, chegando a motivos concretos, que pautam todo o percursoemocional.
Assim, escolhi assentar a minhaautoexploração nesses gatilhos emocionais concretos, por uma questão deexistência de um caminho delineado, com uma mensagem artística a passar, queconsiderei essencial à realização do trabalho performático.
Tratam-se de variantes diversas. Mastodas convergentes num denominador comum: a forma de me olhar a mim própria eas consequências disso. Mais pormenorizadamente, aquilo que nisso implicamquestões como a minha diversidade funcional – a chamada deficiência – e como meleva a perspectivas diferentes sobre o meu corpo e a forma como com ele merelaciono; a minha expressão de género, que é também factor determinante desseprocesso e até mesmo a minha sexualidade, onde tudo isto se reflectedirectamente.
Todos estes factores corroboram umquadro geral de como sinto e penso quando me olho ao espelho, ou quando metorno consciente de mim, quadro esse que tentei transpor para o trabalhoartístico variadas vezes, entre elas a performance (Unbreak)able.
Esse é o tal quadro que digoacontecer de forma cíclica ou circular. Esse é o tal quadro que em mim traz aarte quer enquanto escape quer enquanto espelho.
Procuro aqui, na análise de How we feel, de Giovanni Frazzetto,explorá-lo nos seus prismas psico-emocionais e biológicos para uma aproximaçãomais científica, para assim conseguir dissecar e deixar explícito de melhorforma esse que é o complexo mecanismo que acaba por me pautar em tanto do quesou.
Inicio a análise por onde a iniciatambém Frazzetto, no seu primeiro capítulo, “Anger: hot eruptions”.
Frazzetto começa logo por tocar numponto realmente interessante: “Anger is also fear with an armour. It works as a defensive, pre-emptive reaction beforesomething hurtful can be done to us.”1
Essa afirmação da raiva ser tambémmedo com uma armadura leva-me a considerar, primeiro que tudo, a raiz dafrustração e raiva que expressei como parte primeira da performance.
A reacção de revolta para com o meucorpo físico assenta essencialmente no medo da fragilidade que lhe é inerente.O medo dos obstáculos que isso me pode trazer de futuro, como até aqui tantasvezes trouxe.
O medo que é consequência justificadade o mundo não estar preparado para os nossos corpos não-normativos, para anossa diversidade funcional. E o desamparo que isso nos traz, o nunca saber porcerto como é o amanhã, se não tivermos ninguém. O ninguém ser garantido, nempara nós nem para os outros. E neste caso, a sobrevivência não ser,consequentemente, garantida, também.
E a frustração que isso nos traz, pornos lembrarmos a cada movimento consciente do fio de dependência física que lápermanece. E de, no fundo, nem sabermos como vamos ser, quem vamos ser nósamanhã, e em que padrão físico nos vamos reger. Já que, para nós, nem nósmesmos trazemos manual de instruções que nos valha.
Se um dia corre suavemente, talvezconsigamos cozinhar o almoço e lavar a loiça – é como quem diz escalar umamontanha, e talvez no fim nos sintamos válidos. Mas se, por outro lado, um diacomeça menos bem, desde logo sair da cama se torna uma missão impossível. Desdelogo o corpo não reage, desde logo a força não chega, desde logo tudo cai aochão e muitas vezes a nossa força também.
E desde logo não resta outra hipótesesenão colocar essa armadura que a raiva impõe ao medo. Aproveitar a explosão derevolta, do porque é que nos acontece a nós se não temos culpa de nada, edeixar que nos comande a força.
E, bem ou mal, sair da cama, mesmosem que nesse dia o corpo nos permita força para mais do que nos fazer refénsda cadeira-de-rodas, a mesma que nos outros dias é um par de asas.
E ainda assim, de pijama, descalços ea contentar-nos com o pacote de bolachas que conseguimos alcançar, fechar aporta do quarto que deixamos para trás das costas e seguir vida. Mesmo que nasnossas quatro paredes. Mesmo que a não ter outra coisa por ímpeto nesses diasque não fazer da nossa própria dor uma porta, escrever sobre ela, pensar sobreela, mergulhar nela e dissecá-la.
Talvez então chegar à arte. Talvezentão chegar a outras asas. Talvez um artigo, talvez uma performance, talvez umpoema. Seja como for, uma semente, seja como for, qualquer coisa para que ocustoso sair da cama não tenha sido em vão.
No caso, a raiva e a ansiedade estãointimamente ligados. A raiva é consequência dessa ansiedade, desses medos. É aexplosão dela que faz tantas vezes com que não nos reste outra coisa senãocontinuar em frente.
A ansiedade, contudo, parece-me serum processo menos linear, e sem a compensação de trazer consigo a força. Aansiedade é muitas vezes paralisante. E é também muitas vezes causada pelaraiva.
O caminho é bilateral. Se por um ladoleva a ela, por outro lado o atirar ao abismo em que a raiva nos coloca, podemuitas vezes trazer novas situações de desamparo em que a ansiedade escala,levando-nos ao poço de dúvidas que nos assola.
DizFrazzetto, no capítulo terceiro, que dedica à ansiedade: “If examined carefully,some of those worries sound ridiculous, or unnecessary to say the least, don’tthey? Yet, alone in the darkness of my bedroom, I didn’t seem to have muchcontrol over them.”2.
“I began to worry about themeaning of all I had done, whether or not I had taken the right decisions inlife . It was one of those moments when I thought I needed to do everything atonce, as if the world were about to end and I only had a few hours left toaccomplish all I had ever wanted to do.”3.
Mas a ansiedade também, no contextoda segunda parte da performance, mais raízes que não estão apenas ligadas àideia longínqua de um corpo funcional.
Prende-se muito também com o corponão-normativo na expressão de género, a fluidez de género, o não binarismo, omedo da exclusão social que, além do resto, isso também me traga, que me leve àsolidão – solidão essa que se torna mais assustadora ainda se considerarmostoda a explicação anterior – o medo da minha dimensão enquanto ser sexual nãoser reconhecida, o medo do desconhecido dos outros face a mim nesse contexto eque isso os afaste, como muitas vezes me chega a afastar a mim, por disforia epor revolta da distância face aos ideais.
“Fear has a specific target.What about anxiety? Well, anxiety is not as simple. Anxiety is usually a fearof the indefinite, something that we cannot always explain or even locate inspace and time. It is unpredictable, and often the anticipation of an unknownor not necessarily incumbent threat.”4.
No fim de contas, uma espiralexacerbada de preocupações sobre a desadequação, o isolamento e os sonhosgrandes demais para a realidade, que acaba por se tornar subcutânea e muitasvezes indefinida.
Mas é o afundar-me em tudo isso queme leva à terceira e última parte da performance. A aceitação, a resignação, oconformismo – embora nunca total porque já o sei cíclico, porque já me seicíclica a mim, e porque já me sei sonhadora sine qua non – é esse precipícioque me adensa e me torna maior, porque é também esse precipício que me permiteas ferramentas de fuga e de escape que me dão propósito, que me fazem valer osdias em que todo o resto me falha.
Nesse aspecto, pode até dizer-se sermeta-performance: (Unbreak)able foiem si mesmo um ponto de fuga, uma ponte para a aceitação induzida, enquantosimultaneamente acaba por versar sobre esse mesmo conteúdo, na sua parte final.
Em última análise, apraz-sepertinente expor conclusivamente o texto que escrevi enquanto enquadramentoteórico de defesa académica da performance, que creio encapsular da minhaprópria perspectiva este padrão sobre o qual nos debruçamos:
(Unbreak)able
 
“Quis despir-me. Na verdade, queriapoder despir mais que o corpo. Depois das roupas queria tirar a pele. Depois dapele queria arrancar a carne. Depois da carne desfazer os ossos entre os dedose os dentes. E desse nada que restasse, ver nos meus despojos até onde sedemarca a minha diferença. Isto sou eu. Não sei o que isso quer dizer. Não seia forma certa de me olhares, não há forma certa de me olhares, não há formacerta de coisa nenhuma, era por isso que não sabia como fazer nada disto.Partiria tudo do pressuposto do que vês quando me olhas. E a verdade absolutade mim, nem eu a tenho.
Uma pessoa, por acaso numa cadeira,ou uma cadeira com uma pessoa? Isto sou eu. Há 22 anos que ansiava pela minhaprópria libertação. Descobri a arte como espectro das minhas prisões. Oalimentar e o alimento circular dos meus fantasmas. Tempos a fio procurei umgrito de fénix. Mais tarde percebi ser cíclica. Caminhar lado a lado com amorte, respirar cara a cara com o frágil, transpirar pele a pele com o vácuo, éisso que me renova, é isso que me mantém. Será um dos meus poucos vícios,injectar sal nas feridas.
Quis mostrar esse tanto mais. Para láde posto em causa o diferente e o igual, o que fica por ver. Não sabia como. Omeu corpo, por si só, grita teses demasiado alto para que o resto sobressaia.
Então, quis ir mais longe ainda: fizda nudez ferramenta, das cicatrizes néones para um olhar aberto, dasdeformidades um púlpito por onde te trago a olhar-me desde mim. E despojei ocaminho expectável do resultado artístico. Ao que em mim há de poeta, retirei apoesia. Deito-me por terra, o nu do corpo espelha apenas a erupção que há-devir. Faço da sujeição à minha própria infimidade desmascarada, despudorada deartifícios, o veículo para a minha própria libertação.
Era isso que me faltava – não erampoemas, não era a demonstração óbvia do físico per si, não era o simbolismoartístico de uma identidade fluida de género, ou o fio da navalha da morte –isso é o que já sou todos os dias. Faltava-me a crueza de me deixar aoprecipício de mim, puxar da raiz de todos os traumas e deixar que a realidadetomasse o seu curso de explosão. Por uma (e de uma) vez, sem estéticas, ser-meveículo e permitir-me a chorar todas as lágrimas. Incorro no risco do sufocantedemasiado, ciente disso como na vida, acompanhar-me-ão os que souberem ficar,do maior resto não rezará a minha história. Hoje enfrento os meus fantasmas,cultivá-los-ei alimentados da minha pele, suor, lágrimas, e tudo o mais queeste deliberado incurso no precipício proporcionar, para que jamais me deixem.É deles que voo. A minha vidaé isso – vertigem.”

Dissertação produzida como proposta de avaliação à Unidade Curricular de Sociologia das Artes do Espectáculo, da Licenciatura de Estudos Artísticos - Artes do Espectáculo, docente Anabela Mendes, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2018.

 

O corpo inerte e o pensamento filosófico

Como a realidade da quietude forçada me leva a um mundo maior e incuba tendencialmente a filosofia e a arte em mim, por me alastrar naquilo onde consigo: o caminho mental.

 
 
 
Assim que acordo, dia-após-dia, a noção da divergência dos meus padrões de movimento face aos de mobilidade normativa está presente. É uma presença quase latente, por existir desde que eu própria existo, mas nem por isso deixa de estar lá. 
Afigura-se quase como a consciência da nossa própria respiração – ela acontece, por si mesma, automática, só se torna manual se induzirmos a autoconsciência sobre o processo. Do mesmo modo, a pronunciação da minha própria noção de padrões de movimento diferentes está cá, apenas se encontra numa espécie de ciclo automático. 
Seria assim. E é, em parte. É assim a minha autoconsciência de padrões físicos, pelo menos enquanto o meio envolvente me permite situações de conforto e não esforço, aí facilmente me esqueço de mim. 
Por exemplo, de momento, estando sentada na cadeira-de-rodas, a redigir este mesmo texto, não me lembraria que estou como estou, caso não tivesse que me despertar sobre isso para o escrever. 
 
No entanto, não obstante o hábito em relação a grande parte do que decorre no dia-a-dia, que atenua mais essa consciência, ou pelo menos a normaliza; basta-me precisar de ir buscar um copo de água ou abrir a porta, para o meu circuito de pensamento já ser completamente diferente. 
Desde logo tenho que pensar como o vou fazer. Como conduzo a cadeira, para dar espaço de abrir a porta, como transporto o copo enquanto volto para a secretária para não entornar a água. Como acordo e saio da cama e me visto e me calço, se conseguir, nem sempre consigo, e como vivo. 
Então, desde logo, uma boa parte do meu movimento está associada necessariamente a pensamento lógico, planeamento estratégico e geralmente esforço. O que faz com que sejam as situações mais inertes aquelas que me colocam menos alerta, e, por conseguinte, mais confortável e mais tendencialmente inclinada ao pensamento livre e filosófico. 
 
Contudo, estamos ainda a tocar apenas numa parte muito superficial da minha noção corporal. Regra geral, tudo isto que descrevi se processa sem que eu própria tenha que pensar muito sobre isso – ou há mecanismos e técnicas já aprendidas ao longo dos anos, que enraizei, ou, para o que não faço sozinha, felizmente na maioria dos casos ou encontro soluções ou consigo conformar-me a alternativas. 
No entanto, há particularidades acerca da paralisia cerebral, diplegia espástica, que tornam muitas vezes difícil esquecer-me do meu próprio corpo, e manter toda a noção de mim mesma latente. Principalmente a espasticidade, como o próprio nome indica. Que consiste nas permanentes sinapses cerebrais para contracção involuntária dos músculos. 
 
Isto é, na prática, a paralisia cerebral além das limitantes no que respeita ao movimento em si, torna-me também um corpo permanentemente tenso, o que faz com que me sinta mais. Sobretudo com estímulos, a grande probabilidade é que me contraia, mesmo sem querer. No meu caso específico, resulta num padrão de corpo esticado, maioria das vezes, e voz tolhida, de respiração mais curta. 
Já tenho isso como normalizado, tanto é que perco a noção que o faço e, muitas vezes, se me vir por exemplo em gravações de vídeo espontâneas, não tenho noção de determinadas posturas ou expressões. Mas, no momento em que decorrem, mesmo que as tenha enraizadas como naturais por força de hábito, a verdade é que, pela contracção, me trazem a mim e me lembram de mim. 
 
Tudo isto me leva a sentir mais conforto em dois polos opostos – ou naquilo que me foque necessariamente no meu corpo, e talvez assim extravase o overload que sinto subliminarmente todos os dias (como é o caso por exemplo de nadar, onde sinto o corpo com mais liberdade, ou do processo de ser tatuada, em que a dor me chama permanentemente a mim e me faz “habitar” o momento, escolhendo algo que me dói porque eu quero que doa, e marcando o meu corpo porque eu o quero marcado, permitindo-me assim algum domínio sobre ele). 
Ou então, o extremo contrário disso, aquilo que me permita o mais possível a alienação e o esquecimento momentâneo. Situações como escrever, ver filmes, ver peças de teatro, ouvir música, enfim, tudo aquilo que me transporte para fora de mim, funcionam como um bálsamo, porque me permitem habitar a esfera onde sou mais livre do que a do físico: a da mente. 
 
E talvez agora esteja a chegar ao cerne da questão que aqui pretendo provar. Maioritariamente, procuro formas quietas de estar, porque me permitem adensar-me mais. 
Ciclicamente, então, é nessas áreas que mais me desenvolvo. No explorar da escrita, das artes cénicas, no observar, no estudar, no descobrir e aprofundar padrões daquilo que me rodeia, na curiosidade em entender e sentir o mundo e como ele em mim se recria e reverbera. 
Não só, portanto, o desenvolvimento autodidata que faço dessas vertentes me permite ocupar o meu tempo da forma como me sinto mais eu – sem aparentes, ou pelo menos activamente notórias, limitantes – e portanto me leva a escolhas de vida que preferencialmente passem por isso, como, circularmente, por escolher repetidamente esses caminhos para o meu tempo, me aprofundo mais no conhecimento, na sensibilidade e na abertura para eles, e vou descobrindo também outros e novos temas paralelos, tornando-se um mundo cada vez maior aquele que descubro, lendo, investigando, observando e filosofando. 
 
Um factor interessante de notar aqui também, são as cumulativas vezes em que quem me conhece virtualmente e pela escrita sente dificuldade em acreditar na minha idade cronológica. Creio também prender-se a resposta a essa questão exactamente à quietude física versus a longinquidade onde chego no pensar. 
Fisicamente, a realidade é que não vivi muito, pelo menos não tanto, nem metade sequer, do que uma cabeça sonhadora como a minha gostaria de viver. Em sensação física das experiências tenho um quotidiano, digamos, pouco temperado, para quem na verdade gostaria de perder amarras. Facilmente sou tida, por isso, como insossa ou banal à primeira vista, o que a minha natureza introvertida ajuda, mais o estereótipo que já traz por si só o “elefante na sala” que é uma cadeira-de-rodas, quer eu queira, quer não. 
 
Mas, mentalmente, não é isso que acontece. Na escrita também não é isso que acontece. Quem cria o primeiro impacto desse modo, tem de mim uma representação muito mais fiel daquilo que sinto que sou. Tanto é que coleciono um considerável rol de reacções de espanto, quando me encontro com quem chegou a mim assim e me desconhecia. Tenho na escrita o ponto de fuga. Tenho na escrita, e no pensar artístico, criativo e filosófico que lhe está associado, a minha forma de ser do tamanho que realmente sou e ainda me suplantar. 
Tenho na escrita, e na quietude dela, e em quase todas as janelas mentais que abro a descobrir mais mundo, que acabam por nela desaguar, o meu modo de chegar mais longe. O forçar-me ao corpo destitui-me desse meu propósito. É no despojar-me dele que indubitavelmente me sinto mais, e que produzo aquilo a que quem me conhece chama carinhosamente de “espasmos poéticos”, que realmente sinto irem ao encontro da minha essência e que a elevam. 
 
Creio que se fosse livre em corpo como sou em espírito, talvez não tivesse todo este mundo dentro, pelo menos não ainda. A idade não me corresponde. O tempo mental de quem se “auto-navega” é rápido demais para os relógios. Não será também ao acaso que quem me lê me chama até de “old soul”. O tempo da descoberta não espera pelos ponteiros. 
Mas acredito que se pudesse não ser presa pelas minhas limitantes – e especialmente já tendo estado deste lado e tendo noção do que perco – muita coisa não seria como é. 
Não seria assim, porque teria (e tenho, com teimosia continuo a ter) uma imensa vontade de viver o que não posso, de chegar onde não chego, de ir onde não vou, e sobretudo intensamente, e sobretudo longe, e sobretudo de modo tão frenético e assoberbado, que não me restaria tempo para pensar, nem para me adensar, nem para saber quem era, só para me sentir de uma vez e apenas – só para compensar tudo aquilo que me falta – só para o reverso da medalha, perdendo os limites de vista. 
E aí, não acredito que filosofasse, que me preocupasse em ler e investigar, que quisesse perder tempo quieta a escrever, se podia dançar de pé, se podia ser dona de todos os meus passos, se podia permanecer no fio da navalha e dar-me ao luxo de escolher brincar com a sobrevivência. 
 
Seria hipocrisia minha, se não admitisse que são muitos os dias em que trocava uma coisa por outra, caso tivesse escolha. Mas na realidade não sei até que ponto me sentiria completa. Não sei até que ponto sentiria propósito. Não quando tanto do que sou se assenta no que escrevo. E aí, chego até a agradecer, pela quietude que me é forçada, porque a afirmação mais franca que posso fazer é que não sei quem seria se não filosofasse, se não habitasse os mares que construo dentro, se não fizesse tudo o que aqui descrevi, que me abandona do eu físico para me espraiar onde ele é livre, e que tem no seu pináculo sempre a escrita. 
 
Concluo que as limitações que tenho enquanto corpo móvel, hábil, funcional, não só me tornam quem sou por não me deixarem outra escolha, como por me fazerem aguçar ao máximo todos os outros potenciais que não lhes estejam inerentes, numa espécie de acto de plasticidade cerebral aplicada à própria construção do self, em que faço uso do espaço que seria do corpo, para me aumentar no que me resta. 
Aliás, a própria experiência de redacção deste trabalho acaba por ser reflexo de tudo aquilo que tento defender: na inércia física em que redigi tudo isto, tacteei-me e percorri em mim distâncias enormes, potenciei um expoente maior da minha auto-descoberta e permiti que acontecesse aquilo que é por definição o meu meio de me expandir. 
 
Conclui-se circularmente, por tudo o que acabo de escrever, processo que é em si espelho do que ilustro, o que creio ser o ponto final ideal da minha reflexão livre, a metafísica do título: o corpo inerte no pensamento filosófico.

 

Dissertação produzida como proposta de avaliação à Unidade Curricular de Teoria e Estética do Teatro, da Licenciatura de Estudos Artísticos - Artes do Espectáculo, docente Anabela Mendes, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2018.

O simbolismo da cor na dança | reflexão artística

Texto elaborado como resposta à avaliação escrita da unidade curricular de Teoria e Estética do Teatro, leccionada pela Professora Anabela Mendes, da Licenciatura em Artes do Espectáculo, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a 1 de Junho de 2018, sob premissa da reflexão do significado da cor enquanto elemento simbólico na arte, e, mais especificamente, na dança:

 
 
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Dimitris Papaioannou - Primal Matter
A questão da cor é desde sempre vasta. Prova-se ser algo profundamente enraizado histórico-socio-culturalmente. Quer no seu simbolismo, quer no efeito que em nós provoca. Do luto às celebrações, do culto religioso às atribuições de género e das ideologias políticas até aos poderes xamânicos.
Subliminarmente, e sem que na maioria das vezes estejamos cientes disso, a influência da cor denota-se um pouco por todo o lado.
Elogio frequentemente a negritude de certos timbres e improvisos vocais. Conotou-se um estilo à raça que lhe deu origem. Conotou-se uma raça à cor da pele dos que a compõem. Mas estará a negritude de alguém pendente da melanina? Pendente do berço? Pendente do meio envolvente? Quem diz negritude diz qualquer outra sensação de casa. Provirá do pó astral que nos compõe? Da memória ancestral? A sensação de pertença, o lugar no universo...
Conheço "evidentemente brancos" de alma negra. E aí? Tornar-se-á a cor um espectro referencial de encaixe da essência também? A abordagem ao tema poderia ser tanto mais múltipla e profunda quanto mais me debruce sobre ele.
 
 

Mas, por abreviação analítica, escolho centrar-me em Primal Matter de Dimitris Papaioannou. O corpo e o nada. O eu e a ausência. A incompletude do ser. A pele e o vácuo. A cor da pele e o vazio. O negro como o vazio. A vermelhidão do corpo contraído em esforço. O que fica, com tudo isto, presente na memória, são reflexões sobre o eu e o seu caminho. O eu e as suas batalhas. O eu e a sua pequenez que se agiganta na busca de sentido. O eu e o outro. O eu e a sede de encaixe. E a esperança de voo.
Também a bravura da conquista. Também a loucura do sonho. Também o intangível como ímpeto. É tudo isto feito a cor de pele e negro, a luz e sombra, a suor e madeira e a transparências de água.
A presença da cor será talvez uma gravura volátil na parede da memória. A dança é pintura em movimento.
Terá a cor do corpo hábil o sabor que lhe imagino? Como será a sensação de dominar o movimento de nós mesmos? Tudo isto me fascina.
Quem sabe eu, evidentemente disfuncional, pinte da minha própria paleta de corpo frágil, espástico, indomado, também novas cores com que fazer dança: a cor das cicatrizes sobre o metal das rodas. E talvez assim atinja a minha liberdade, na demanda de saber de que cores se pinta a força.
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Dimitris Papaioannou - Primal Matter

O poder do feminino: transformismo, um eco de alma


Há coisas em nós que não se conseguem explicar nem com dois dedos de conversa, nem com meia dúzia de páginas de texto. O efeito lunar que o poder do feminino tem em mim é uma delas. E o pináculo disso, para mim, está no transformismo, por ser uma ode à mulher.
Não me esqueço tão depressa da última noite. É virtualmente impossível ser amante do transformismo neste país e não cruzar amores com a Deborah Kristall (Fernando Santos), a figura máxima actual deste panorama. Sorte das sortes, uma porta leva à outra. Neste caso, o corredor de portas foi circular.
O fascínio levou-me à Gala Abraço 2016. O André E. Teodósio tinha-me levado a Valentim de Barros. Também levou o José Raposo, que foi júri na Gala. Um ano depois, estava a subir ao palco, na Gala Abraço 2017, por um texto sobre Valentim de Barros, pelo José Raposo. Direcção Artística? Fernando Santos.



Demasiada coincidência? Há mais. A Gala Abraço trouxe-me o Paulo Monteiro e o dezanove... foi uma questão de juntar as peças. A noite passada o dezanove fez com que voltasse ao Finalmente, onde tinha ido só uma vez, e desejado ser transparente para poder ficar lá a absorver tudo aquilo.
Abençoada entrevista, abençoado regresso. Como o mundo dá voltas... Como é que isto tudo aconteceu? É cíclico, o meu voltar a pesquisar coisas sobre este mundo, há pouca coisa, mas nunca se sabe se alguém deixou sair mais um pedacinho de magia a público.
Via uma das entrevistas mais recentes do Fernando Santos, quando me vieram intuitivamente à cabeça perguntas que um dia lhe faria, se pudesse. Escrevi-as, porque... bem, porque não se perde nada... estava longe de imaginar é que ia ganhar tanto.
Tive um rasgo qualquer de desfaçatez, mandei as perguntas ao Paulo Monteiro. A próxima coisa que sei é que estava à porta do Finalmente, de salto alto sobre rodas, e as perguntas iam ser feitas. O que eles não sabem, nem quase ninguém, é como tudo isto (passo o duplo absurdo) é como caminhar sobre nuvens.
Vem de há muito tempo, o amor ao transformismo. Nem sabia o que era transformismo. Tinha visto uma reportagem da "Gaiola das Loucas" de Filipe La Féria, na televisão. A Zazá do José Raposo havia-de vir a ser muito mais  do que imaginava. Explica-se essa parte da história pelo texto que leu o José Raposo no lançamento do meu livro Combustão, em Março de 2017 (sim, mais uma das portas do meu corredor circular de coincidências felizes):
 
 
A Inês de 14 anos não sabia o que era transformismo. A Inês de 14 anos viu, absorveu, amou. A Inês de 14 anos sabia estar ali uma das peças da sua verdade, que não sabia como agarrar. Cresci em Fátima. Não se falava "destas coisas", lá. Ainda hoje não se fala.
Não sabia que havia espectáculos dedicados à arte do feminino, sabia só que qualquer coisa, nesse exacerbar por um lado e nesse contraste por outro (a androginia é outro estímulo), chamava por mim.
Descobri pela televisão que havia, algures lá longe em Lisboa, um lugar chamado Finalmente onde havia espectáculos assim. Não imaginava sequer que se pudesse pagar e entrar. Tinha para mim a ideia de um lugar de secretismo inatingível. E ninguém a quem perguntar.
Cada vez que tinha a oportunidade de ir a Lisboa, de fugida, pedia para passar pelas zonas onde se dizia, muito poucas vezes e em surdina, onde elas (travestis/crossdressers) costumavam estar mais vezes. Olhava pelo vidro do carro, e queria ficar ali, na esperança que me aparecesse uma Zazá emplumada... A fluidez de género ainda era um mistério. Já a sentia, só não sabia que existia pela rua livremente e de modo quotidiano.
Cheguei a Lisboa para ficar, finalmente. Mudança das mudanças. Cruzei-me com amigos com esse mundo por casa. E eu sempre na concha. Sempre no medo, sempre no pano de fundo de onde vinha, do inatingível que isso era, do nem se fazer perguntas. Mas sempre com os olhos brilhantes a cada migalha de descoberta.
Fui aprendendo da história do transformismo enquanto espectáculo o pouco que encontrava sem referências nenhumas.
Não sei onde cheguei ao nome Deborah Kristall. Sei que se abriu mundo. Achava mais que óbvio, ainda assim, que não poderia lá chegar, ver por mim. Era assunto para tirar da cabeça. O difícil era conseguir.
E de repente a Gala Abraço, um "Tenho que ir!" mais forte que tudo. Ainda não tinha entrado no S. Luiz quando vi, pela primeira vez aquilo era verdade. Faltou-me o ar como falta a uma criança a dar de caras com uma princesa da Disney.
Finda a noite sabia que tinha encontrado uma das peças que me faltavam há tanto tempo. E tinha a certeza e a vontade assoberbante de fazer parte desse mundo. Só não sabia como.
É aí que se fecha pelo menos esta parte do círculo: Valentim de Barros, José Raposo, a semente lançada.
No ano seguinte a concretização. E com a concretização uma porta aberta para o mundo às cores. Com a porta aberta, o dezanove. E com o dezanove, a maior coroa de glória: afinal podia lá chegar, não só lá cheguei como fui recebida e reconhecida, simplesmente por me querer dar ao que afinal sempre foi parte conjunta da minha raiz.
Não tenho melhor forma de finalizar do que deixar que o momento fale por si. Que seja um círculo de muitos. Que eu faça parte deste mundo, é uma honra e um eco de alma.

- Entrou neste nosso universo, não é?
- Espero que sim!




(UNBREAK)ABLE: a wheelchair performance


 


 

 

"Quis despir-me. Na verdade, queria poder despir mais que o corpo. Depois das roupas queria tirar a pele. Depois da pele queria arrancar a carne. Depois da carne desfazer os ossos entre os dedos e os dentes. E desse nada que restasse, ver nos meus despojos até onde se demarca a minha diferença. Isto sou eu. Não sei o que isso quer dizer. Não sei a forma certa de me olhares, não há forma certa de me olhares, não há forma certa de coisa nenhuma, era por isso que não sabia como fazer nada disto. Partiria tudo do pressuposto do que vês quando me olhas. E a verdade absoluta de mim, nem eu a tenho.



Uma pessoa, por acaso numa cadeira, ou uma cadeira com uma pessoa? Isto sou eu. Há 22 anos que ansiava pela minha própria libertação. Descobri a arte como espectro das minhas prisões. O alimentar e o alimento circular dos meus fantasmas. Tempos a fio procurei um grito de fénix. Mais tarde percebi ser cíclica. Caminhar lado a lado com a morte, respirar cara a cara com o frágil, transpirar pele a pele com o vácuo, é isso que me renova, é isso que me mantém. Será um dos meus poucos vícios, injectar sal nas feridas.



Quis mostrar esse tanto mais. Para lá de posto em causa o diferente e o igual, o que fica por ver. Não sabia como. O meu corpo, por si só, grita teses demasiado alto para que o resto sobressaia.



Então, quis ir mais longe ainda: fiz da nudez ferramenta, das cicatrizes néones para um olhar aberto, das deformidades um púlpito por onde te trago a olhar-me desde mim. E despojei o caminho expectável do resultado artístico. Ao que em mim há de poeta, retirei a poesia. Deito-me por terra, o nu do corpo espelha apenas a erupção que há-de vir. Faço da sujeição à minha própria infimidade desmascarada, despudorada de artifícios, o veículo para a minha própria libertação.



Era isso que me faltava – não eram poemas, não era a demonstração óbvia do físico per si, não era o simbolismo artístico de uma identidade fluida de género, ou o fio da navalha da morte – isso é o que já sou todos os dias. Faltava-me a crueza de me deixar ao precipício de mim, puxar da raiz de todos os traumas e deixar que a realidade tomasse o seu curso de explosão. Por uma (e de uma) vez, sem estéticas, ser-me veículo e permitir-me a chorar todas as lágrimas. Incorro no risco do sufocante demasiado, ciente disso como na vida, acompanhar-me-ão os que souberem ficar, do maior resto não rezará a minha história. Hoje enfrento os meus fantasmas, cultivá-los-ei alimentados da minha pele, suor, lágrimas, e tudo o mais que este deliberado incurso no precipício proporcionar, para que jamais me deixem. É deles que voo. A minha vida é isso – vertigem."



 



(Texto produzido para contextualização do processo criativo da performance (Unbreak)able: - Estudos de Performance - Licenciatura Estudos Artísticos, Artes do Espectáculo, FLUL 2017.)

Tornar-me arte | tatuagens como libertação do corpo

A procura é incessante. Insaciante. Nunca sabemos como vamos acordar amanhã. Fluidez de género é uma viagem permanente. Não estou a ser poética. Não estou a ser poético. Também não vou dizer que é um calvário, tem o seu quê de belo, a permanente metamorfose que nos acontece dentro. Vou aprendendo a gostar-me, nas minhas múltiplas vertentes e nos limbos delas, um dia de cada vez, um momento de cada vez. Bigender fluid - bigénero fluido - se tivesse que ter etiqueta era essa.
 
 
 
Oscilo em muita coisa. É apenas mais uma, que sempre me foi tão natural como respirar, ou talvez mais, respirar já teve vezes de ser um problema, isto nunca. O único senão é a disforia. Crava-se como facas. Não a tenho só de género, tenho-a de capacitismo também, em relação ao corpo funcional, hábil, fisicamente capaz, de mobilidade normativa.
 
Olho o corpo que não queria vezes sem conta. Não me corresponde. Não me parece meu sequer, tem vezes que pareço ter que acordar-me, reavivar essa sensação de pertencer à pele, ou tudo resta com a noção de sonho - às vezes pouco - lúcido.
 
Tem dias que queria ter barba. Tem dias que queria ser diva. Todos os dias queria pernas. Todos os dias queria asas. Quase todos os dias acabo por inventá-las. Tem dias que queria ser esteticamente escultura. Tem dias que desejava que houvesse o referencial do que pode ser um corpo bigender fluid, não comprometedor de nenhum dos meus polos. Tem dias que acho que o encanto de eu ser eu é não ter solução.
 
 
 
 
Desenquadro-me. Potencialmente de cada vez mais maneiras. É o que é ponto. Parece que não nasci para ser linear. Tem dias que já penso sorte a minha, pode ser que carregue comigo algum dia a bandeira do humanismo despudorado, se continuar a aprender a beijar as minhas próprias feridas.
Não, não sei se vou parar de engordar. Síndrome do ovário policístico (PCOS) e prolactina alta (hiperprolactinemia) -devíamos ser mais a falar disto, com urgência. Não, não sei se me vai apetecer depilar-me todos os meses. Sim, a testosterona tem a ver com isso. Em metade da disforia sempre ajuda. Pois não, não faço o exercício que devia. Nem que o fizesse, nem que tivesse as pernas como queria para isso, dadas as estatísticas muita sorte tenho eu em não estar pior.

Tem dias que gostava de ser magra (muitos, demasiados). Tem dias que me martirizo. Tem dias que não queria ter o peito assim (muitos, demasiados), em metade da disforia desajuda. Sim, PCOS tem a ver com isso. Falta de progesterona tem a ver com isso. Hiperprolactinemia tem a ver com isso. Com isso e com mais uma longa lista de complicações. Não, não me chegava ter só um problema. Se calhar chegava, mas vou dizer outra vez, é o que é ponto.
 
 
 
 
"Não sei o que sou, sei que me sinto dispersa. Não sei o quequero que saibam de mim. Sei que queria deixar de ser presa pelos fantasmas queprovavelmente criei: do não saber já sonhar, do ficar agarrada à vida pelaesperança de um qualquer fio de prumo que me tire do meu vazio ou me estendapelo menos uma mão na escada (talvez seja ela, se não se afastar com este meunão ser nada), do querer aceitar o corpo e todos os dias chorá-lo porque não osinto meu, porque não me sinto eu, porque não me correspondo, porque não seiquem sou, mas sei o que não sou e que muito disso me habita. Do sermulher-homem sem ter a certeza até que ponto hoje e amanhã. Do quase nuncaolhar nos olhos pela ferida enraizada de que não mereço gente comigo, masqueria. Do querer falar e não sair a voz. De me trair o pânico de ter queexistir e fazer ocupar no mundo o meu espaço, o medo da minha bolha de solidãoser interpelada e que me vejam o caos que nem eu sei, que se nota nos meusbraços que se fecham, na minha cara espástica, na minha voz sufocada àtentativa absurda de quebrar o silêncio, cada vez que me olham nos olhos."
Escrevi algures e resume bem onde quero chegar. A procura é incessante, dizia. Mas encontrei uma tábua de salvação. Contra não caber nas caixas da sociedade, não só quis começar a pensar fora delas, como as decidi ir desfazendo com unhas e dentes; não obstante ainda lutar muitas vezes comigo mesma, não sejamos hipócritas e falsos moralistas, mas começo a resolver-me.
Tábua de salvação, dizia. Tornar o meu corpo não higienizado pelos padrões um estandarte do não-binário, antes de ser fotogénico, antes de ser comercial, antes de corresponder ao híbrido que afinal sonhava ser. Deixar de procurar ser estátua polida, acrobática. Antes tornar-me espectro. Antes deixar de importar a (dis)forma do meu corpo. Antes deixar de ser corpo. Passar a ser dança, espástica mesmo, presa mesmo, fazer dos limites o meu próprio padrão de beleza, deixar de me encaixar nos vigentes. Não querer mais ser vigente. 
 
Antes deixar de ser corpo, dizia. Passar a ser arte. Cobrir-me de tinta, de tatuagens. Tornar-me livro feito pele aos poucos que me sabem ler. Antes passar a ser bandeira aquilo que realmente escolho que me representa. Aí sim. Ter-me como proa, porque passo a ser obra, não padecerei de correcções inerentes a padrões externos. Nada mais importará. Serei sereia tatuada. Tornada signo de pássaro livre. Oxalá consiga. A minha libertação será essa, quero acreditar que sim, tornar-me eco da minha alma, grito do despudor. Assim, cobrir-me de tatuagens devolver-me-á a mim. Passo a passo.
(Imagens: screenshot frames de performance por Inês Marto)
 

Asas e tinta na pele | Frida Kahlo by Bilotta Tattoo

 

 
 
 
 
 
O tal Sábado que nunca mais chegava. 7 de Outubro. Nuncatinha tido processo destes tão talhado pela doçura como aconteceu com Igor, quefez o atendimento virtual de Bilotta Tattoo (da Don't Cry Collective). Sentia-me em casa, antes sequer de terchegado, e não, não é exagero.
 
Quem é Bilotta? Pois bem, chegou a mim de surpresa. Como foisempre, esperava um sinal do universo de quando e como tornar derradeira em mima auto libertação de que tinha escrito o manifesto recentemente. Sabia que aresposta era Frida. Encontrei Bilotta Tattoo no Facebook, quando não procuravasequer, nesse compasso de espera. Apaixonei-me. “O tatuador mais fixe do Rio de Janeiro”,estava escrito. Não tive dúvidas porquê. Até self-tattoos ele tinha feito, deperder o ar.Ficava em Lisboa até ao fim do mês e zarpava. Era a vida a dizer-me que eraagora. O caminho fez-se.
 
Batiam as quatro da tarde certas, quando cheguei ao estúdio.Nervosismo nada, por mais estranho que fosse. Bilotta sorriu-me enquanto saíado carro. Os meus olhos brilhavam, tenho a certeza. “Então, me fale de Frida, me conta.” – abriu-se mundo ali.Falei dela como se fosse eu, falei de mim como se fosse ela, não sei bem ondese apaga o nosso ponto de fusão na verdade. Olhei Bilotta nos olhos, comoraramente faço. E ali havia verdade. Tanto foi que não tardámos a falar de fadosequer. E se precisasse de mais certezas de que tínhamos o mesmo comprimento deonda, estavam ali.
 
Desenhou em mim o primeiro rascunho. Disse ele que era só aparte de criança a divertir-se com uns rabiscos. Frida foi baixando em nós.Conversámos como se nos conhecêssemos há anos. Bilotta teve uma facilidade demestre em ver-me para além do que se vê mais imediatamente. O processo todofluiu. A energia toda fluiu. Mostrei-lhe Raquel Tavares. Ouvimo-la. Falei-lhede Alfama, também se tinha apaixonado já. Mais uma prova de que era dos meus.
 
E entre dedos de conversa sobre arte e existências,estudámos Frida, vi-o absorvê-la, enquanto me agradecia várias vezes o presentede fazer isto. Aquele não sei quê de onda gigante que une os que são desta raçaestava ali, diante dos nossos olhos. Captou-a. Amor à primeira vista.
 
À primeira linha disse “Que Frida esteja connosco.” E esteve,se esteve. Seis horas passaram. Uma eternidade xamânica. Uma dor demetamorfose. Lágrimas na linha de transbordo às vezes, por cada ponto de asasque se fazia pele. Outras vezes uma tranquilidade quase transe. Estou quasecerta de que nas nossas respirações estavam até entrelaçadas. Olhávamo-nos nosolhos um ao outro e estava ali patente – a força de Frida, a minha libertação,a arte que só se faz com esta entrega.
 
Bilotta deu-me as asas. E tenho a certeza que o soube tãobem quanto eu. Estava na cara. Estava na pele. Estava naquelas palmas quebatemos e que pareceram ecoar por Lisboa inteira quando levantou a agulha doúltimo ponto, era uma da manhã.
 
Se Frida esteve connosco? O que havia de Frida em nósemergiu ali. Foi isso que nos atou os laços, estou certa. Bilotta ficou umamigo. Pouco me importa o imediatismo com que o digo, abri-lhe a porta à minharaiz. E ele, com a sua arte elevada, deixou-me gravada a certeza que não mehavia de esquecer da força que essa raiz tem.
 
 
“Pies, para qué los quiero si tengo alas pa’ volar?”escreveu Frida no diário, corria 1953. Foi a frase que deu mote a isto tudo.Meta-voo dos meta-voos… Frida tornou-se as asas ela mesma. Foi dia demetamorfosear-me, ode à auto libertação, manifesto na pele, se foi. Saí alada.

 

"É o tornar-me mais mundo que acaba por me manter." | Inês Marto

Sexta à noite. Vim a casa da minha mãe. Estou numa altura com pouca coisa obrigatória que fazer (ainda bem), o que me deixa - ainda mais - com demasiado que pensar (se calhar não tão ainda bem... ou se calhar sim, a linha é ténue entre o desenvolvimento de novos caminhos ou o vertiginoso descarrilanço existencial, nestas alturas, o que pode ou não levar ao primeiro outra vez, também, mas isso é outra história).
Dou comigo no habitual eco de pensar em metas (a meio caminho entre o primeiro e o segundo, portanto, vamos lá ver)... Às vezes não sei se seria mais feliz se fosse menos inconformada, ou se é por ser inconformada que vou provando um bocadinho do que é ser feliz. Mas a verdade é que é consistente em mim a necessidade de mais. Algo mais. Nem sempre sei exactamente o quê, mas mais. Se por um lado gostava dessa coisa da tranquilidade dos anos - se é que seja verdade - por outro, acho que isso era bem capaz de ser a minha morte.
Estava a ver o podcast do Rui Unas, Maluco Beleza, com Herman José:
 
 
(De nada.) Quando, no contexto da conversa, Herman diz que, quando se tem absolutamente tudo acaba-se o desafio. E de repente fez um pouco mais de sentido, esta minha dicotomia entre a ânsia por alguma paz de espírito - passo a absoluta estupidez deste antagonismo - como dizia na entrevista, e a comichão desalvorada que me provoca a estagnação decorrente das zonas de conforto.
O podcast toca também na questão da reinvenção constante, que acaba por ser uma primeira necessidade sobretudo no campo artístico. E de facto, do alto dos meus 22 anos pequeninos, não posso deixar de o sentir.
Bem sei que tenho o terrível defeito de querer que tudo aconteça e depressa, que se desenrole e que venha mais. Bem sei que me falta a paciência para ver o que é que o tempo me reserva, de tal forma que muitas vezes quase me afogo.
Mas a verdade é que me encontro àquilo que a mim me parece muito tempo (a nós parece-nos sempre mais, pronto) à procura de um lugar válido, subsistente. Nunca quis tronos, mas gostava de sentir um bocadinho de chão. Um bocadinho de vida, boa ou má, mas conseguida à custa daquilo que desde que me lembro é o que quero da vida: a minha escrita.
E então dei de caras com a minha flagrante pequenez (como felizmente dou muitas vezes, não gosto disso de não pisar o chão) e indaguei até que ponto sou alguém, para alguma coisa. Até que ponto é que o mundo me deverá efectivamente um lugar, ou serei eu que tenho que infinitamente mais me tornar lugar a bem de vir a conquistar o meu bocadinho de mundo.





Estamos na era do imediatismo.  Talvez venha daí também alguma da minha dificuldade em dar tempo ao tempo. E sempre que assento os pés no chão, contrasta-se a minha avidez por um lugar com esta tal noção de ser mera gota.É daqui que nasce a minha sede de desafios, é sempre deste contraste. Pauto-me por crescer. Sempre que me debato sobre ficar, é o tornar-me mais mundo que acaba por me manter.
No caminho para cá falava sobre possibilidades de futuro. Cheguei depressa à óbvia falta de desafios que sinto. E não é que tenha nada na mão, propriamente, até se torna num quadro ridículo de estagnação a pairar, sem a zona de conforto sequer.
A única coisa que sinto conquistada aos poucos, a pulso, é um punhado de gente, não muito grande, mas muito sólido, que começa a querer ouvir os meus gritos. E nisso não nego o privilégio.
Pensava, nesse entretanto, talvez voltar a Psicologia. Talvez mestrado em Filosofia. E a seguir o previsível "Mas que saídas é que isso me dá?". A questão é que não quero "seguir" nada disso, mesmo. O que quero (tentar, na medida em que mereça) poder fazer da vida é realmente arte, seja lá em que valência melhor a transmita, ainda acho que é escrever. Mas talvez me desse mais credibilidade. Mais "direito" a uma plataforma, a um lugar, a esse bocadinho de mundo que me deixasse ter a minha vida.
E, ironicamente, depois de tanta pressa em agarrar tudo, penso "Mas gostava de fazer isso no meu tempo, enquanto vivo." (não sei que parte da frase me deu mais vontade de rir)... por auto-expansão, se me pudesse dar a esse luxo, como quem se cultiva enquanto tem a sua vida, só que na esperança de poder ter legitimamente a sua vida... podia ser um caminho...
Será isso? Será que é aí que me encontro nesta contradição? Entre o querer que a vida inteira me aconteça para ontem, tanta é a ansiedade; e o dar-me tempo para viver no meu compasso e me expandir, até que aconteça por mérito, que seja quando for é no tempo certo? Há mediatriz, sequer?
Se tivesse respostas, não era eu.
 
 

Sereia de coração

Quarta à noite. Outra como tantas. A passar por vídeos d' A Gaiola das Loucas enquanto tentava escrever alguns projectos planeados. Quando uma amiga me envia um vídeo de música. O que me leva a um vídeo da performance da Pink, "Try". A conversa desenrola-se e começamos a falar de dança e de expressão corporal.
Por estranho que pareça, corpos "funcionais" (à falta de melhor termo) fascinam-me completamente. Tendo eu paralisia cerebral desde, bem, sempre... Sempre me perguntei como é a sensação de simplesmente comandar o corpo e ele fazer aquilo que se quer sem imprevisibilidades. Talvez seja por isso que a dança me fascina tanto.
Nós, os que têm paralisia, somos ironicamente obcecados por controlo. Porque temos que ser. Temos que estudar os nossos passos, prever os nossos movimentos, desenvolver as nossas estratégias e chegar a um nível à prova de bala com uma mão cheia de planos alternativos no caso de tudo falhar, porque o nosso corpo de repente decide que o que já fizemos mais de 100 vezes desta vez não vai resultar.
Então sempre me questionei quão libertador deve ser não ter que fazer um rascunho detalhado de basicamente tudo para conseguir sobreviver. Sinto que nós estamos sempre em modo de sobrevivência.
Pessoalmente, mudava muita coisa se houvesse um simulador de paralisia cerebral para os amigos experimentarem, porque às vezes é impossível colocar por palavras a nossa forma de existência física.
Os corpos com paralisia cerebral, a diferentes graus claro já que tudo varia tanto individualmente, estão sempre sob algum tipo de tensão física, especialmente os espásticos como eu.
Recentemente descobri o Gregg Mozgala, um actor com paralisia cerebral que entrou num projecto (no mínimo) interessantíssimo chamado Enter the Faun, onde a coreógrafa Tamar Rogoff usou shaking e body scripting, duas técnicas que tinha desenvolvido para os seus bailarinos. A primeira para libertar tensão acumulada no corpo e a segunda para promover consciência física através da tradução do movimento num guião de palavras. E uma vez aplicadas a um corpo com paralisia, as técnicas obtiveram resultados absolutamente extraordinários. Gregg conseguiu movimentar-se como nunca antes tinha conseguido, e permitiram-lhe explorar-se a profundidades físicas como nunca tinha sido capaz. (Este vídeo ilustra bem as técnicas e os resultados).
Tudo isto levou a minha cabeça a começar a indagar sobre a consciência corporal. Parei de fazer fisioterapia quando tinha 15 anos, tinha começado antes de fazer um ano. Principalmente porque queria viver. Porque estava cansada da dor. Não havia muito mais a fazer. Talvez uma nova forma de alongar. Talvez agarrar um cubo em vez de uma bola enquanto andava... talvez mais duas ou três coisas que a longo prazo mudavam não virtualmente nada. Tinha percorrido um longo caminho e estava feliz com ele. O resto era manutenção. E mais que isso era uma questão de inventar as minhas formas de fazer o meu corpo colaborar para alcançar o que queria - e isso é algo que nenhuma terapia me ensinou: criatividade e desenrascanço. Que era o que eu sentia que precisava mais, bem mais do que rotinas dolorosas.
Ainda não sabia o que era capacitismo. E como discordava disso. Para mim, estava só a viver à minha maneira. Só recentemente, muito recentemente, é que desenvolvi a minha opinião sobre paralisia cerebral e como antes quero entendê-la e jogar com ela do que tentar apagá-la, como expliquei neste artigo.
Mas dito isto tudo, ainda sinto falta de exploração física. Exactamente por isso mesmo. Para conseguir aprender os padrões da paralisia e jogar com eles, tenho que me explorar mais a fundo e testar os limites desses padrões. E ainda está por encontrar um método de o fazer (o mais próximo até à data foi a aproximação de Tamar, que ainda não encontrei forma de fazer em Portugal)... Ou será que afinal tenho método?
Recentemente também descobri a  Leandrinha Du Art, um ser completamente fantástico, activista dos direitos trans, artista, youtuber e ícone, que também por acaso usa rodas. E descobri um texto maravilhoso no blogue dela onde se vê como uma sereia.
De repente juntei as peças todas e entendi. Se calhar não foi à toa que quando era bebé queria ser sereia. Que me sentava à beira mar à espera que crescessem as barbatanas que me haviam de libertar. Que descobri o meu porto seguro e o meu ex libris simultâneo no oceano. E que é quando nado sozinha que tenho as melhores ideias artísticas, também. Afinal tenho uma maneira de me auto-explorar e libertar. É tornar-me aquilo que sou no meu núcleo: uma sereia.
A minha primeira peça de escola até foi o Fora do Mar, pelo amor de Deus, estava destinado a acontecer.
Sinto uma liberdade e sensibilidade únicas quando estou na água. E é inegável que me permite explorar-me de maneiras que nunca era capaz de outra forma. Não só consigo andar sozinha como até descobri que sou capaz de saltar, vamos falar de fenómenos?
Talvez não tenha sido ao acaso sequer que os meus sonhos mais loucos em tempos eram dançar dentro de um aquário gigante em cima do palco...
Talvez eu seja uma sereia nascida no corpo errado, e tudo o que eu tenho que fazer é continuar a nadar à minha maneira e recusar-me a ir ao fundo! 
 


 

O tabu cadeira-de-rodas

 
Hoje descobri a Robyn Lambird. Uma youtuber, actualmente com 20 anos, que também tem paralisia cerebral. Assim que vi este vídeo, percebi que isto era uma coisa de que eu tinha mesmo que falar. De facto, já há bastante tempo que queria discutir isto.
A verdade é que estamos no século XXI. E isto é um tabu tão socialmente enraizado que até foi preciso um vídeo para me trazer de volta à realidade, para voltar a aperceber-me que isto não devia mesmo estar a acontecer. Por isso é que não o fiz mais cedo. Fica-me debaixo da pele. É uma parte tal das nossas vidas que nos habituamos a isso, como se não houvesse nada de errado.
A Robyn foi um abre-olhos. Eu defendo muitas causas. Uma delas é o desmoronamento da ditadura da imagem corporal. E, por muito estranho que possa parecer, forçar-nos a que nos aproximemos fisicamente o mais possível daquilo que é convencionalmente tido como normal é tão corrosivo como toda a questão da invisibilidade e da pena.
Eu percebo. Supostamente o corpo humano foi feito para andar. Eu percebo, encaixava melhor no vosso conceito de ser saudável. Eu percebo, vocês pensam que estaria a viver a minha vida ao máximo. Se me permitem, contudo, um pequenino lembrete, é a MINHA vida, leram bem. E também é o meu corpo. Muito provavelmente, com quase 22 anos, conheço-o um bocadinho melhor eu. E mesmo que não conhecesse, continuava a ser o meu.
Parece que em tudo o resto, como ela diz, tudo se resume a qualidade de vida. Já neste caso, quase toda a gente tem que tentar com que façamos mais esforços, tentemos mais coisas. Não é que não aceitemos conselhos de quem quer que seja que saiba do que está a falar. Quer dizer, uma nova perspectiva sobre como tornar isto mais simples é sempre bem-vinda.
Mas é como se fôssemos máquinas a termos que ser arranjados. A termos que nos encaixar. A termos que corresponder a uma sociedade higienizada que ainda força aquilo a que chamam normalidade a toda a gente. De repente as pessoas acham-se no direito de chegar e dizer "não podes viver assim".
O que é que aconteceu ao "sê tu próprio"? O que é que aconteceu à liberdade individual de escolha? O que é que aconteceu ao deixar uma pessoa ser uma pessoa e não um conceito? Somos pessoas.
Todas as horas que passei a chorar, com dores, das cirurgias, dos alongamentos, das terapias... Há uma parte da minha infância que jamais terei de volta. E perdi-a a tentar tornar-me no que os outros entendiam como normal. Como melhor. Como sendo parte.
Não me arrependo de tudo. Algumas coisas deram-me capacidades que obviamente preciso, que de outra forma não teria alcançado, claro. Tê-lo-ia feito, na mesma, claro. Apenas o teria feito de forma diferente, se pudesse voltar atrás.
Não ia lutar por ideais de perfeição. Sobretudo ia lutar por uma vida. Que é o que faço agora.
E então, se for numa cadeira-de-rodas? Antes sobre rodas e com um sorriso, a aproveitar o caminho, do que andar durante 10 minutos e ter que voltar para casa. E se perdesse todos os progressos? Honestamente era um pesadelo. Mas ainda assim, eram na mesma o meu corpo e as minhas escolhas, desculpem a desilusão.
Conclusão: se calhar não precisamos de ser arranjados. Se calhar não temos que andar mais vezes. Se calhar não temos que tentar com mais força. Se calhar não temos que "mas ouve". Porque se calhar, a única coisa que temos mesmo é que viver da maneira que formos mais felizes.

 

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